“Oxóssi é caçador de uma flecha só
Herdeiro de Iemanjá,
irmão de Ogum
Aquele que na cobra dá
um nó
Aquele apaixonado por
Oxum.”
(Trecho do Samba-enredo “Batuque ao Caçador” de 2022 da
G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel)
O ano era 2022 a escola de samba Mocidade Independente de
Padre Miguel desfila com o samba-enredo Batuque ao Caçador para fazer uma
homenagem àquele que é padrinho da escola, que o toque das suas caixas de
guerra – instrumentos da bateria – é baseado no aguerê (toque consagrado ao orixá). O desfile conta a história do
nosso caçador de uma flecha só - Oxóssi para quem já o conhece – como orixá
para os iorubás, sendo abençoado pelo nkisi Mutalambô e parceiro de São
Sebastião e
O orixá Oxóssi não é só padrinho da escola de samba Mocidade,
mas também é o regente da Tenda Estrela de Oya, nossa TEEO. Sincretizado
através de São Sebastião, a energia de Oxóssi ilumina o nosso terreiro trazendo
a fartura da caça que se faz todos os dias em busca de alimento, espantando a
miséria, revela a vida e sabedoria ao entrarmos em contato com o maior acervo
de saber que existe: a floresta, a mata.
Um dos mitos que envolve esse caçador é o de ser filho de
Iemanjá, irmão de Ogum e Exu (orixá) e –como diz o pequeno trecho que retirei
do samba-enredo – apaixonado por Oxum, orixá da beleza, que, com ela, teve um
filho chamado Logunedé. E, o grande feito que o coroou como Oxóssi é o de ser o
único odé (caçador) capaz de acertar
o pássaro que foi enviado para trazer dor e miséria o povo de Ifé. E fez isso tudo com apenas uma
flecha, mostrando seu foco e determinação em trazer paz para aquele povo.
Oxóssi tem seu dia na umbanda e em algumas casas
de candomblé no dia 20 de Janeiro e seu dia na semana é quinta-feira. Sua cor
na umbanda é o vermelho, já no candomblé pode ser azul-turquesa e/ou verde-mata
e seus elementos são Ofá (arco), Damatá (flecha), Erukeré. Sua saudação pode
ser Òké Árò Òdé, Arolé! (Caçador de alta graduação, Viva o caçador!) e/ou Okê
Arô! (Salve o Grande Caçador!).
“É Mutalambô
É Mutalambô
É o Rei Maior
O meu pai Oxóssi é
caçador de uma flecha só.”
(Ponto cantado na TEEO e em outros terreiros)
Foto retirada
da matéria do site Alakétu Odé. In:
https://alaketuode2.blogspot.com/2015/12/mutalambo-o-pai-dos-cacadores.html.
Acesso em: 03/01/24.
Sabemos,
então, que a morada desse orixá é na mata, que ele adentra a floresta para
trazer para nós fartura e sabedoria. Mas é sabido pelos povos tradicionais e
passado para nós que não se deve entrar lá sem estar preparado e pedir licença
para os espíritos protetores desse local. Aqui no Brasil, Oxóssi cruzou com os
espíritos locais da crença indígena e o nkisi dos povos de linguagem bantu.
Nkisis são
as divindades que regem as forças elementares da natureza e/ou um fetiche,
encanto, magia e objeto de poder. Eles fazem parte da crença de alguns povos de
linguagem bantu e por fazerem parte do meio ambiente, seja ela de forma
concreta (raio, montanha...) ou abstrata (caminho, fartura...), para a maioria
deles, não tem forma humana. Porém, ao chegarem ao Brasil, embarcaram na onda
do sincretismo e foram entrelaçados com os orixás em algumas casas do candomblé
Ketu.
Mutalambô, Mutak'
lombo, Mutakalambô ou Muta é o Rei de toda a Floresta, o
senhor de tudo que nela existe, o dono do Ixí
(Terra). Tem o domínio das partes mais profundas e densas das florestas,
onde o Sol não alcança o solo por não penetrar pela copa das árvores. É visto
como Caçador, vive em florestas e montanhas, nkisi de comida abundante.
Esse Nkisi,
então, para os praticantes de candomblé Ketu, se assemelha ao orixá Oxóssi. A
umbanda busca preservar o sincretismo existente entre os santos católicos e os
orixás, porém, também há a tentativa de preservação da linguagem iorubá, do
tronco linguístico bantu e indígena. Por isso vemos a mistura de linguagens e
entidades em pontos cantados, por exemplo. Tudo para tentar manter viva a
memória dos nossos ancestrais.
“...Um rio inteiro em
Teu nome, meu Senhor
Quem é de Oxóssi é de
São Sebastião
Quem é de Oxóssi é de
São Sebastião.”
(Trecho do Samba-enredo “Batuque ao Caçador” de 2022 da
G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel)
E falando em
sincretismo, São Sebastião e Oxóssi andam de mãos dadas em diversos terreiros
de umbanda. Reza a lenda que o entrelace dos dois se dá ao fato de terem, em
comum, a flecha como elementos principais de sua história.
São
Sebastião, ainda jovem, para o exército de Roma, onde chegou a liderar a
primeira corte de infantaria dos imperadores Maximiano e Diocleciano. Por ser
cristão e constantemente proteger os seus, foi condenado por alta traição e,
assim, foi amarrado em uma árvore e crivado de flechas. Não foi nessa vez que
São Sebastião acabou morrendo, como nenhuma flecha atingiu seus órgãos vitais,
foi salvo logo depois pela esposa de um cristão condenado. Voltou no dia 20 de
Janeiro e se declarou cristão para o imperador Diocleciano, foi espancado até a
morte pelos soldados.
Há quem diga
que as flechas representam epidemias e que, um dos milagres acerca desse santo
é de que ao transportar suas relíquias para uma cidade, interrompeu a doença
que se alastrava nesse lugar.
Huuum, será
que é só a flecha que eles têm em comum? Conta para gente a sua opinião.
“Naquela estrada de
areia aonde a lua clareou
Todos os caboclos
pararam para ver a procissão
De São Sebastião
Okê, Okê, Caboclo!
Meu pai Oxóssi é São
Sebastião.”
(Ponto cantado na TEEO e em outros terreiros)
Mas e a
relação de São Sebastião e os caboclos?
No espiritismo de umbanda, São Sebastião ficou responsável por comandar a falange de caboclos no astral, porém, talvez essa relação tenha se fundamentado em plano terreno, principalmente, na história da nossa cidade São Sebastião do Rio de Janeiro.
A nossa baía
-denominada como Guanabara pelos tupinambás que habitavam a região onde seria
fundada a cidade pelos portugueses em 1565- foi batizada de Rio de Janeiro por
uma expedição de reconhecimento em janeiro de 1502. Acharam que avistavam um
rio e o mês era janeiro, simples assim.
Em princípio não houve tanto interesse por essa região por parte da Coroa Portuguesa, porém, uma parte dela, acabou se tornando uma preocupação pois, a partir de 1555, quando Nicolas de Villegagnon estabeleceu a França Antártica, um núcleo colonizador francês. O que foi possível graças a cooperação dos tupinambás habitantes de uma aldeia chamada Karióka, localizada aos pés do que atualmente conhecemos como Morro da Glória.
Mem de Sá,
governador geral do Brasil, organizou uma expedição com portugueses, temiminós
e tupiniquins – os dois últimos, inimigos históricos dos tupinambás –, para
enfrentarem o empreendimento francês, sendo parcialmente bem-sucedido.
Mas foi em
1564, que Estácio de Sá foi enviado para esse local por seu tio, Mem de Sá, com
o objetivo de expulsar definitivamente os franceses e “pacificar” os
tupinambás– ou seja, submetê-los, por meio da morte, escravização ou
aldeamento. Chegou à região em 1º de março de 1565, fundando uma cidade no
morro Cara de Cão, aos pés do Pão de Açúcar, onde hoje se encontra a Fortaleza
São João, na Urca. Era um empreendimento estratégico para o fortalecimento da
presença portuguesa.
É neste
momento que o santo de nosso interesse entrou para a história da cidade: como
era comum na tradição toponímica portuguesa associar um nome de devoção
católica a algum elemento regional, a cidade foi nomeada “São Sebastião do Rio
de Janeiro”. Tradicionalmente, se credita a devoção a Estácio de Sá, que teria
trazido uma pequena imagem, feita para ser carregada nas embarcações e
utilizada em ofícios nos portos, a entronizando na capela de taipa construída
no Cara de Cão.
Dentre esses
contos, outros muitos existem em relação a batalha entre os portugueses e
tupinambás. Com direito a uma suposta aparição do santo católico para proteger
as embarcações portuguesas; um Estácio de Sá, morrendo como um guerreiro
cristão em decorrência de uma flecha disparada por um pagão, exatamente no dia
de São Sebastião; o rei de Portugal, então com seis anos de idade, tinha
nascido no dia do santo e fora batizado em sua homenagem e outros. E, em um
desses contos, houve aquele que em que São Sebastião apareceu com uma espada na
mão para lutar ao lado dos Portugueses, temiminós e tupiniquins. Sendo assim,
declarado padroeiro do Rio de Janeiro do capitão Estácio de Sá.
Pois bem, podemos
ver que a relação de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, e os caboclos
que baixam nos terreiros, tem muito mais fundamento do que imaginávamos, não é
verdade?
Depoimento de uma médium da casa sobre Oxóssi e sua energia:
“Oxóssi pra
mim é a vida, a base de tudo que eu sou. Ele salvou a minha vida sem eu
perceber, e eu vejo ele muito mais do que um Pai. Não tem nem como explicar.
Quando a
energia dele tá perto, me sinto leve como um passarinho e feroz como uma onça.
Oxóssi é a sabedoria, aquele que quando eu mais preciso.
Eu sei que
posso procurar, abraçar e chorar, sem dizer uma palavra. Ele sabe de tudo que eu sinto e com um estalar
de dedos ele me faz sentir criança de novo.”
(Camila Gonzalez – Curimbeira e Médium da nossa TEEO)
Arrepiante,
não é?
Licença a
Mutalambô!
Salve
Oxóssi!
Salve os
nossos caboclos!
Okê Arô!
Salve a
umbanda!
Quer se
aprofundar mais sobre os assuntos? Aproveita a dica aqui embaixo e se tiver
outras, compartilha com a gente! Axé! ;)
G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel. Letra do
samba-enredo Batuque ao Caçador. In: https://www.letras.mus.br/mocidade-independente-de-padre-miguel/batuque-ao-cacador/.
Acesso em: 03/01/2024
ALENCAR, Agnes. A silenciosa construção de uma guerra: uma
França Antártica indígena. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro. n.12, 2017, p.297-322.
KNAUSS, Paulo. Imagem de São Sebastião. In: KNAUSS, Paulo;
LENZI, Isabel; MALTA, Marize (org.). História do Rio de Janeiro em 45 objetos.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2019.
FIGUEIREDO, Janaína. Nação Angola: Caboclos, Nkisis e as
novas mediações. Editora: Pallas; 1ª edição; 11 março 2022.
SIMAS, Luiz Antônio. Santos de casa: Fé, crenças e festas de
cada dia. Ilustrações: Aline Bispo. 1ª Ed. – Rio de Janeiro. Editora: Bazar do
Tempo, 2022.
Texto feito
por: Tesla Dias – Professora, Escritora e Médium da Tenda Estrela de Oya.
Observação: o texto acima é exclusivo de sua autora, não necessariamente refletindo a opinião da instituição.